errata d’helder, xxxiv. página oitenta e sete, linha vinte e um, onde se lê light deve ler-se night.
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afinal estávamos todos mortos
a gaja das mamas grandes não tinha umas mamas assim tão grandes, descomunais, pá. descobrimos o facto por acaso, depois de termos visto o último dos irmãos coen. facilitámos, foi a conclusão. enganámo-nos mas é difícil chamar engano ao que é nosso e é nosso por culpa nossa. facilitámos, pois, então, que é como quem diz demos-lhe uma vantagem imerecida. no filme a gaja era sueca, judia e amiga das drogas. na realidade emprenhámos pelos olhos. pareciam maiores do que, de facto, eram. nenhum mal para o mundo não fosse o caso da desilusão. como foi possível?, nenhum de nós sabe a resposta. parece até que, no fim de contas, entre todos nós, nenhum é apreciador de mamas grandes ou de gajas com mamas grandes. facilitámos, foi o que foi, este foi o consenso que conseguimos. e não falamos sobre o assunto ao telemóvel. anda meio mundo a escutar o outro meio mundo e vice-versa, o que faz o mundo inteiro. se a minha maria soubesse, desabafou um deles o temor. ela sabe. contei-lhe. e ela massacra-o, não pelo engano, pela facilidade. ela chega a ser cruel quando exige falar a sério com ele, o que sucede quase sempre. nunca facilitar, esta é a regra. pelos menos não facilitar como nós facilitámos, que facilitámos mesmo sem ser por desejo ou avidez lúbrica. como ela sabe da história, ameaçou deixá-lo. tem umas mamas mais ou menos, é o acorde entre nós. um dia destes digo-lhe. por nada. provavelmente ela já sabe. mas é para ser eu a dizer-lhe. pode ser que ela o deixe definitavamente.
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cabaret baudelaire
# viii. uma vida é trânsito demorado, modorra e tédio. por isso, para vivermos, necessitamos de várias vidas ao mesmo tempo, adiantar o espírito a si, sobre si, acelerar o corpo, cedê-lo à expedição e ao impacto. do consolo não merecemos mais do que o que merecemos passar. há muitas modalidades de passagem e volta para além do giro cingulado. recenseio os paraísos possíveis, olho o mapa. vejo a pressa para morte através da turbina que faz desaparecer os traços brancos da estrada que existe só para mim, vejo a gamela de prata onde o cavalo galopa, vejo os campos de flores do mal - papoilas -, os remédios, a inflamação, a ressaca no princípio e antes, depois as dores, o vermute assim no céu como na terra para acompanhar o estatuto. isto são provas de contacto, assento-as. sinto a força a começar a destacar-se dos músculos e dos tendões, já voo. não necessito de tanto. basta-me antecipar-me ao atraso, ter a liberdade dos ponteiros parados ou que regressam. sobra tudo isto da omissão que posso, do confronto que habito e vivo. não seria justo para mim se visse apenas o que e como as coisas são. é a distorção que me concede a soberania que uma vida só não proporciona.
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lizardo
és lesto a chorar salinger porque morreu. no entanto, se nunca desejaste imitar caulfield, choras o quê?, a literatura ou a vida? és cobarde. o luto é sempre por ti, tu que sobreviveste sem ser, sem seres capaz de ser quem não idolatravas. fingido. escreveste medo, uma introdução - não escreveste mas faz de conta que sim - desconhecendo o que é o centeio autêntico, sem o disparar em direcção à mão de um amigo, sem sofreres o remorso disso e continuares como se nada tivesse acontecido. há muito tempo que se sabe que ao pequeno almoço preferes pão de forma sem côdea, marca bimbo, torrado e barrado com manteiga light sem sal - dizes é por causa do colesterol, fiz análises. bimbo, estás a ver a coincidência?, porém muitas vezes compras de outra marca porque a bimbo é mais cara. és pobre em todos os sentidos. comes peixe, comes banana, sem imaginares o que seja a perfect day for bananafish. choras salinger por acaso, porque viste a notícia na televisão. mas a verdade é que não choras, limitas-te a revolver a miséria que há afundada dentro de ti, num exercício patológico de afirmação de uma identidade que não é tua. és cobarde, fingido e ignorante. não sabes quem é salinger, julgas apenas que fica bem a demonstração de comoção porque os beatniks ainda estão a morrer. os beatniks?, vai-te foder, pá. és um merdas. continua para aí agarrado à tua sobrevivência de parasita encostado à mama, subvencionado por conta do estado providência e da administração pública. és um coitado, sabes perfeitamente a tua condição - és incapaz de te olhar ao espelho -, e choras agora para tentar a redenção de quão coitado és? vai-te foder, pá. morre também. ninguém irá chorar-te porque salinger morreu ou porque lennon foi assassinado. és quem és, um merdas. a tua morte corresponderá à descarga de um autoclismo. a água que te há-de levar não será a das lágrimas.
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